Ser adolescente, estar na escola

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A adolescência é um período decisivo em nossas vidas. É ali que fazemos nossas primeiras escolhas autônomas frente aos pais, e iniciamos um processo de diferenciação em relação a eles que durará a vida toda.

Quando somos crianças, o pai e a mãe são nossos maiores ídolos, queremos ser iguais a eles. Essa primeira referência é muito importante, pois nos espelhamos neles para engendrar a pessoa adulta que seremos. No entanto, na adolescência, essa identificação entra em “crise” e passamos a sentir necessidade de iniciar nosso processo de individuação, de nos tornarmos alguém para além dos papeis que desempenhamos dentro de casa. Por isto amadurecer pode ser doloroso: porque implica consentir em nos separarmos emocionalmente de pessoas que são muito importantes para nós, e com as quais, desde a infância, nos acostumamos a concordar sem questionar, já que acreditamos que elas sempre sabem o que é melhor para nós.

Crescer significa, portanto, ter que aprender a se posicionar em relação às pessoas (em especial pais e irmãos) de uma forma madura, isto é, fazer com que sua voz seja ouvida, porém sem desrespeitar o outro. Esse é um desafio enorme, para o qual estamos sempre nos preparando, em qualquer fase da vida.

Estar na escola e frequentar o ensino médio são fatores que acentuam a angústia inerente ao processo de crescimento. À diferença do período do ensino fundamental, as exigências são numerosas: há que se lidar com uma maior quantidade de disciplinas e professoras(es); trabalhos de pesquisa individuais e em grupo; saídas de estudo; atividades de laboratório, simulados etc. Espera-se da aluna(o) mais responsabilidade e comprometimento com tudo em que se envolve. Reações tidas como infantis – arrogantes ou impulsivas – já não são toleradas ou esperadas. O corpo docente, funcionários da escola, colegas e a maioria dos pais consideram que a(o) adolescente já é capaz de lidar com seus compromissos e ter controle sobre suas emoções.

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Ilustração por Kaizeea

É aí que entra o problema: a adolescência é um momento em que essas reações "infantis" acontecem com muita frequência. Sentimentos de revolta, incompreensão e solidão são comuns, e em geral pouco acolhidos pelas pessoas próximas. Por isso, é importante que a(o) adolescente tenha com quem conversar sobre as transformações que ocorrem em sua vida, para não se sentir em um “limbo” entre a infância e a idade adulta e conseguir enxergar-se como um sujeito pleno – que está cumprindo suas tarefas desenvolvimentais e construindo a cada dia a pessoa que deseja ser.

A psicanálise pode oferecer à pessoa adolescente uma escuta de suas necessidades mais primordiais enquanto sujeito. Propicia um espaço onde ela pode falar sobre os temas mais diversos: sua vida em família, seu processo de diferenciação em relação às expectativas dos pais e às escolhas que estes fizeram em suas vidas, e também seu relacionamento com os colegas. A esse último, enlaçam-se assuntos como bullying, rótulos e estereótipos; identificação a grupos e sensação de pertencer ou não a eles; estar ou não "na moda", sentimentos de solidão e de ser "o estranho", “a estranha”.

Essencial também é abordar a emergência da sexualidade e a relação com o corpo, que está em franca transformação; a vergonha; a identidade de gênero, expressão de gênero e orientação afetiva e sexual. E também os diversos preconceitos sofridos: de gênero/orientação sexual, de raça/etnia, gordofobia/desprezo pelo corpo "fora do padrão", elitismo (preconceito de classe), intolerância religiosa, xenofobia (preconceito contra imigrantes/estrangeiros), capacitismo (preconceito contra pessoas com deficiências físicas e/ou neurológicas), psicofobia (preconceito contra pessoas com problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade, transtornos alimentares, distúrbios de autoimagem, etc.), preconceito contra alunos repetentes, filhos adotados, pessoas tímidas/sensíveis/introvertidas...
A lista é tão vasta quanto a diversidade de pessoas que existem.

A análise é um espaço importante para a (o) jovem subjetivar, enfim, as contingências de sua vida e as escolhas que faz, e as opressões a elas relacionadas - que fazem parte de seu cotidiano, mas que muitas vezes passam despercebidas. Ao subjetivar essas opressões, apropriar-se delas, torna-se capaz de combatê-las, reduzindo significativamente a sensação de impotência frente aos próprios sofrimentos. Os "vilões" de sua vida começam a se revelar mais e mais falhos, frágeis e humanos.

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Além disso, a (o) adolescente também pode refletir sobre a importante relação entre responsabilidades e momentos de prazer, e como administrar seu tempo, sono e ritmo de vida. A propósito disso, um assunto que pode surgir é o “monstro” vestibular. Este é um tema fundamental pois lança o sujeito a se perguntar: quem eu quero ser na vida? Será que eu quero prestar vestibular? O que eu sei e gosto de fazer? Como posso ajudar as pessoas me ajudando também? (já que trabalhar se trata disso). É a questão da identidade se colocando com toda a força. É um momento bonito, em que vemos a (o) jovem dando seus primeiros passos no caminho de assumir seu próprio desejo frente aos pais, amigos e sociedade. E o desejo permeia tudo: escolha profissional, escolha dos amigos e amores, jeito de ser, sexualidade, causas pelas quais irá lutar, modo de se vestir, hobbies... e assim começa a se construir uma subjetividade. É um momento inaugural, que precisa ser ouvido e orientado com muita sensibilidade.

O que os adolescentes parecem querer com tanto ardor – liberdade para expressar suas ideias, escolher seus caminhos e ser reconhecidos por seus pares – tem tudo a ver com a proposta da psicanálise, que visa ajudar o sujeito a trazer à luz aquilo que mais deseja na vida e assim ser uma pessoa emocionalmente livre, isto é, singular entre as demais.

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Créditos para a imagem da capa: Sveta Dorosheva.

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