Para que serve a psicanálise?
Por Clara Cruz
Você já se sentiu assim?
Há uma angústia tão grande que me toma às vezes
Com a qual não sei lidar.
Eu sofro em silêncio…
Eu sofro sozinho.
Não tenho com quem falar sobre isso
É o meu segredo.
Tenho medo!
E se alguém descobrir minhas fraquezas,
o que será de mim?
Sabe, é tão pesado parecer forte o tempo todo…
Você tem uma grande dor?
Uma angústia à qual não sabe dar nome?
Todos nós temos grandes dores.
Todos nós precisamos falar sobre isso.
Se não, a angústia não desincha.
Freud descobriu que, às vezes, pagamos um preço bem alto por sermos habitados pela linguagem.
O que é ser habitado pela linguagem?
Funcionamos em relação à linguagem como um balão em relação ao ar:
Recebemos dos outros, quando crianças, doses impressionantes de linguagem:
Na família, na escola, na rua…
É tanta gente falando ao nosso redor!
As vozes começam a entrar na cabeça.
E por ali vão ficando.
Ficamos inchados!
Mas como somos pequenos e ainda não sabemos comunicar direito o que sentimos, nem sempre conseguimos desinchar – falar.
E assim seguimos escutando… e inchando.
Até que um dia precisamos “estourar” – FALAR!
Sim, a grande descoberta do pai da psicanálise foi na verdade algo bem simples:
Falar liberta!
É preciso – é urgente – desincharmo-nos um pouco de linguagem.
Desincharmos um pouco da linguagem dos outros
De todos esses outros que falam na nossa cabeça
E começar a criar a nossa própria linguagem.
A nossa própria voz!
Uma voz única:
A voz de cada um.
Como a análise funciona?
Todos nós precisamos conversar sobre nós mesmos. Mas nem sempre temos com quem. Então, seja por timidez, falta de intimidade, de coragem… Acabamos ‘engolindo’ dores e angústias que desejaríamos pôr para fora. E elas se acumulam como poeira embaixo do tapete e ‘engasgamos’. Mas ninguém pode ficar engasgado para sempre! Um dia precisaremos soltar o que está preso na garganta. E é aí que entra a psicanalista.
Uma análise funciona segundo um princípio bem simples: pede-se à pessoa que fale o que lhe vem à cabeça, com o mínimo de julgamento possível. Essa é a chamada associação livre, método desenvolvido por Sigmund Freud.
A psicanálise trabalha por meio deste veículo: a linguagem íntima de cada sujeito. Linguagem de seus traumas, angústias, medos, inseguranças… E também a de seus sonhos e desejos.
É bom destacar: a análise funciona de um a um, isto é, produz efeitos muito específicos no corpo e no psiquismo de cada pessoa. Ela põe luz sobre aquilo que trazemos de mais importante e singular, muitas vezes por nós desconhecido. É ali que vai emergir uma voz que há tanto tempo quer falar: a nossa!
A psicanálise é a arte de ajudar pessoas a nascerem de si mesmas.
Na linguagem estão contidos
o inferno
e o paraíso,
a angústia
e o desejo…
Por meio dela nos devastamos.
Por meio dela nos curamos.
O que é a psicanálise?
A psicanálise é, ao mesmo tempo, uma prática e uma teoria. Em contraste com outras abordagens psicológicas, ela se construiu em sua própria clínica – nasceu de si mesma, formulando-se a partir dos casos que atendia.
Desenvolvida por Freud no final do século 19 e aprimorada por Jacques Lacan na segunda metade do século 20, explica os fenômenos psíquicos (como os esquecimentos, os sonhos e os sintomas) e os acontecimentos cotidianos (os erros de comunicação, as piadas…) e tem por princípio a ideia básica de que falar liberta. O simples ato de falar liberta aquilo que tentamos reprimir pensando.
Desde Freud até hoje, a psicanálise segue se reinventando: a cada novo paciente, precisa ser revista, reformulada – reescrita. Pois as pessoas guardam dentro de si uma riqueza muito grande de detalhes. São todas, de uma forma bela, completamente diferentes umas das outras.
A clínica está sempre nos desafiando. Isso é muito bom para aqueles que se interessam pela psicanálise, sejam pacientes ou psicanalistas. Serve para lembrar-nos de que a mola propulsora das grandes conquistas é sempre criar: combinar experiência e imaginação e fazer existir algo novo, que vai melhorar nossas vidas.
Como um convite à reflexão, deixo aqui as provocativas palavras de alguém que soube, como poucos, compartilhar conosco os sussurros de sua linguagem inconsciente: Clarice Lispector.
“(…) A coragem de ser o outro que se é, a de nascer do próprio parto, e de largar no chão o corpo antigo. E sem lhe terem respondido se valia a pena.”